O desconhecido, temi

A hora era chegada. Algo me impelia pra frente, uma força vital e orgânica vinha de dentro. Embora acostumada com o ambiente, úmido e acolhedor, sabia que não poderia mais continuar ali. Caso contrário, acomodada já à situação na qual me encontrava, morreria. Uma vontade e, sobretudo, uma necessidade de seguir impulsionava para uma nova fase. Despedia-me de minha morada confortável e abandonava uma segurança que nunca mais teria. Ia à busca do desconhecido.

Rompia, dessa forma, mais que uma barreira física. Conforme a transpassava, um turbilhão de emoções e de sensações me encontrava desprevinida. Aquela carne não era apenas meu abrigo dos últimos meses. Vez ou outra era possível ouvir uma voz que atravessava a parede e cantarolava em ecos uma canção de carinho e de amor. Ali era morada do come-e-dorme certo de todos os dias, um porto-seguro que não cobrava nada em troca de amparo.

A claridade se fazia cada vez mais forte. Ofuscava os olhos à medida que revelava o nunca antes visto. Não era mais a voz terna de outrora, mas sim lacônicos sussurros que envolviam a atmosfera. Uma segunda carne, diferente da que estava habituada, me puxou com veemência. Passei por camadas de pele, gordura e pêlo. Tudo pegajoso, mas de uma vibração pulsante. Embora a luz agora deslumbrasse os olhos, ainda assim temia.

Depois do meu primeiro choro, que viesse a vida.

Ao embalo de #3

Vou
Vou pregar na parede
Um pedaço de céu
Que você me mandou

Vou buscar outra constelação
Entre a noite que vai
E o dia que vem

Eu canto aqui
Eu olho daqui
Eu ando aqui
Eu vivo

Canto aqui
Eu grito aqui
Eu sonho aqui
Eu morro…
(morro)

Vou
Vou riscar no meu braço
Um pedaço de mar
Que você me deixou

E criar outra recordação
Do primeiro lugar
Que acordei pra te ver

Eu canto aqui
Eu olho daqui
Eu ando aqui
Eu vivo

Canto aqui
Eu grito aqui
Eu sonho aqui
Eu morro…
(morro)

Aqui (ou Memórias do Cárcere), do Cordel do Fogo Encantado

Revival de infância

Gostinho de coisa boa, de bolo de fubá na casa da vó, de dedão do pé machucado no quintal de tanto correr, de tardes com guache de potão no dedo e papel crepon fazendo fantasia na festa do fim do ano, de barra-manteiga, menino-pega-menina e polícia e ladrão, de tarde de domingo na casa da tia, os primos mais velhos puxando seu cabelo e eu na risada mais gostosa do mundo, de livros e livros do Ziraldo, de sexta-feira do brinquedo e sonhos e sonhos e sonhos e sonhos…