Depressa

A Julia tem cinco anos e gosta de rosa. Ana, aos oito, adora quando a mãe faz tranças. Isso eu descobri nos minutinhos que esperava pelo sinal abrir, na Conde de Sarzedas com a Conselheiro Furtado, na Sé, e ouvia o tagarelar das irmãs.

As duas, uma de cada lado, se prendiam às mãos seguras do pai enquanto o sim do verde não vinha para deixá-las mais livres.

Julia se espantou quando viu um homem se arriscar entre os carros para economizar a parada ali na frente da faixa de pedestres. Olhou esbugalhada para o pai, como que se perguntando porque também não faziam o mesmo os três, veja bem.

Ele explicou laconicamente:

“A vida não é depressa”.

Como lição bem dada, as duas repetiram a frase, logo em seguida.

A vida não é depressa.

Pedrinho, 4 anos

“Me lembe! Me lembe”, dizia gargalhando gostosamente. “Me lembe, Aurera!”. Aurera era Orelha, que na verdade era só Jimi, meu pastor alemão mais carinhoso. Ele e o Pedro pareciam ter se entendido, mas Pedrinho insistia em dizer que preferia a “cachorra que dormia embaixo do carro”, porque ela não “lembia”.

Foi até a sala de estar, pegou um aparelho de telefone fora de uso e disse que ligou para o pai: “Oi, papai! O Aurera fica me lembendo”, dedurava em meio a gargalhadas deliciosas e felizes. “Fui na casa da tia Zanza também. Lá tinha um tartarugo gigrante”.

Domingo de passeio com o avô.

Alegriazinhas

Vi duas mulheres colhendo pitanga no meio da Praça Panamericana. Ver alguém pegando frutinhas em meio ao trânsito paulistano deixa o dia mais feliz.

* * *

Slowly, please, slowly. Dar tudo mais que certo na minha primeira entrevista  em inglês com uma fonte fofa deixa a tarde mais feliz.

* * *

Duas cidades com nome de santo ligadas por um telefone. Receber uma ligação da Natália, lááá de São Luís, no Maranhão, deixa a noite mais feliz aqui em São Paulo.

* * *

Chegar atrasada na faculdade depois de um dia cansativo de trabalho. Dois presentes: uma carta linda e a famosa sodinha mineira. Aaah, deixa a noite muito mais que feliz.

Maria Clara, 4 anos

Ela passa a mão nas orelhas aveludadas do pastor alemão. Eu observo tudo. A mãozinha com medo, o sorriso de prazer.

“Ele tá sorrindo pra mim”

“Tá mesmo. Você gosta dele?”

“Gosto, ele é macio”

“É sim. Passa a mãe na barriguinha. Ele adora. Não precisa ter medo”

“Queria conversar com ele, mas ele não fala nada”

E, olhando pra ele:

“Porque você não fala comigo, Jimis?”

O nome dele é Jimi, mas na cabeça dela Jimis é mais bonito.

“Fala comigo…” Depois olhando pra mim: “Porque ele não fala nada?”

“Quantos anos você tem?”

E, contando os dedos, mostra que tem quatro.

“Então. Ele é bebê ainda. Você tem quatro, ele tem um e meio”

Ela não deve ter entendido a parte do meio, eu explico:

“Sabe a Alice, a sua irmãzinha? Ele tem a mesma idade dela. Ela não é bebê? Ele também. Por isso ele não fala. O que você queria conversar com ele?”

Apertando as bochechas peludas, responde:

“Queria dizer que ele parece um palhacinho”