Quem disse que não

Minha mãe sempre me diz que eu não deveria emendar trabalho com faculdade com balada com bar com casa da tia, que vou cansar, que isso faz mal, que deveria ficar um pouco em casa pra esfriar um pouco. É sabido que mãe quase sempre sabe das coisas. Mas eu não gosto que me digam o que tenho que fazer, porque só euzinha mesmo pra saber até onde consigo ir. Os meus limites são só meus.

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Na madrugada de domingo, voltando da sinuca com os amigos, ao chegar em casa botei uma música pra ouvir durante o banho pré-sono. “It ain’t me babe”, do Bob Dylan. “I’m not the one you want, babe, I’m not the one you need”. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Saí do banho e ouvi a música mais cinco vezes. Os meus quereres são só meus.

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Cinco vezes porque, quem sabe, eu acredito na mentira. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Deslavada.

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“Não quero ter razão, quero ser feliz.” Lembrei. É do Ferreira Gullar.

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É essa daqui.

Eu te odeio

No ônibus, presenciei uma briga de namorados. A garota gritava com alma. Ele, encabulado. Lembrei de imediato de um trecho da Clarice Lispector, e me reconheci no casal e no texto.

“Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. “Eu te odeio”, disse muito apressada. Eu te amo, disse ela então com ódio para o homem cujo grande crime impunível era o de não querê-la. Eu te odeio, disse implorando amor.

O Búfalo

Gotas

Se eu estivesse com a minha máquina fotográfica, tiraria foto dessa lua linda. Nunca sei a diferença entre a nova e a cheia. But I’m in so deep. You know I’m such a fool for you. Quando a lua está gorda assim e choveu, as gotinhas no vidro do carro refletem de um jeito mais bonito. You got me wrapped around your finger, ah, ha, ha. Elas tremem conforme ele avança. Do you have to let it linger? As pessoas do banco da frente falam muito do dia, da festa, da roupa despudorada da menina, da bebida que respingou e manchou o sapato. Do you have to, do you have to. As gotinhas no vidro do carro, as gotinhas na bochecha. Do you have to let it linger?

As horas

Emendei a noite de quinta com a de sexta. Acordei às cinco pra terminar uma reportagem, às nove estava na redação. Às sete da noite perdi a aula de Direito Civil, mas o trânsito na Consolação não me deixou sentir. Uma hora depois estava na aula mais sonolenta de todas. Às onze cheguei em casa. Deu tempo de tomar um banho e comer torta feita pela mãe, que saudade! Quando deu meia-noite cheguei no churrasco. Sono às quatro da madrugada. Às oito estava de pé. Preparativos para o casamento. Unha, cabelo e roupa. Uma da tarde do sábado, noivos já casados. Às sete da noite, casinha. Pizza e vinho com os pais. Às dez da noite, mais balada. Doze horas depois, acordada. Cinema sozinha, Corinthians e Avaí com família – estirar-se no sofá, cobertor e pantufa. Às onze, caminha. Emendei as horas, quase não pensei. Mas o que penso, sobra. Vou me inscrever na aula de yoga e na de fotografia.

Menos um final de semana.

Mais um dia feliz

Ganhei um bombom de chocolate meio amargo que veio da Itália. Quando desembrulhei o papel laminado, surpresa!, uma figurinha linda veio com o chocolatinho. A mensagem, em 5 línguas, também era fofa: “O amor sabe esperar lá onde a razão desespera”.

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Descobri uma música da Maria Rita tão bonita. É calma de dar sono, mas é bonita. “Calma/ Dê o tempo ao tempo, calma/ alma/ Põe cada coisa em seu lugar// E o dia virá, algum dia virá/ Sem aviso/ então…”. Que voz.

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Um também canceriano com ascendente em peixes me indicou um conto do Caio Fernando Abreu pra ler. E eu, que sempre tive um certo preconceitozinho em relação ao escritor, li. Bonito o texto.

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Comecei a ler um livro da Clarice Lispector. É uma coletânea de textos que ela escreveu em diversas fases da vida: jornalista, menina-moça, estudante de Direito. Aaaaaaiai. Sou suspeita em falar dessa mulher. Como ela diz em uma das entrevistas do livro, “É isso sim. Fico olhando, bobando…”.

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Tudo que preciso pra um dia feliz são as palavras certas.

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L’amore sa sperare quando la ragione già dispera

Love can hope where reason would despair

El amor tiene esperanza allí donde tu razón desespera

L’amour peut espérer là où la raison désespère

Em grande estilo

A primeira vez que fui ao estádio de futebol eu contava oito meses de idade. Sim, oito meses, porque quando a gente ainda mora na barriga da mãe já é gente de carne e osso: ama, ri, chora, se apaixona e dorme – e como dorme. Pois bem. Mamãe foi ao Pacaembu grávida de mim, junto com papai. E como de arquibancada é bem mais legal, lá foram os dois – ou três – torcer ao lado da Fiel. Na época eu era ainda um projetinho de gente, mas que sabia muito bem o que era se apaixonar. O jogo, eu me lembro bem – ok, não lembro, mas me contam tão direitinho que é como se me lembrasse mesmo – foi um Corinthians e Flamengo. O clássico dos clássicos. Apaixonei. Meus pais contam que, aos 3 anos de idade, eu era mais corintiana que a família toda, esgoelada que só. Sabia de cor o hino, pulava durante os jogos, saía gritando “TIMÃÃÃO” por aí. Super corintiana, maloqueira e sofredora.