Lar de poeta é um universo. Cheiro de papel gasto no ar, post-its por todos os lados, um sofá que não acomoda mais pessoas porque cedeu lugar a livros e mais livros. Por todos os cantos, lembretes literários. Dicionários de italiano, de francês, de sinônimos e de antônimos, de rimas, de catalão, de inglês, de português. Estantes improvisadas, arriadas de tanto peso. Não é a casa que contém uma biblioteca, mas sim a biblioteca que tem uma casa. Café passado na hora para os momentos de insônia e, se tiver sorte, de inspiração. Dois banquinhos na cozinha, o “cômodo mais nobre da casa”, um bom lugar para receber oa amigos. Papeladas no escritório com anotações das mais diversas. Na parede, entre tantas gravuras, uma de Carlos Drummond de Andrade, que ontem completaria 105 anos. Em letras miúdas, o Estrambote Melancólico, segundo o dono da casa, um dos poemas que mais sintetizam a obra drummondiana:
“Tenho saudade de mim mesmo,
saudade sob aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha alta ausência em meu redor.
Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
e tenho muitos outros sentimentos
violentos. Mas se esquivam no inventário,
e meu amor é triste como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho carinho
por toda perda minha na corrente
que de mortos a vivos me carreia
e a mortos restitui o que era deles
mas em mim se guardava. A estrela-d’alva
penetra longamente seu espinho
(e cinco espinhos são) na minha mão.”