Crescer dói

Lembrando aqui de quando o Leirão pede que a Alice cresça com mais comedimento.

— Gostaria que você não me espremesse tanto — reclamou o Leirão, que estava sentado junto dela. — Mal posso respirar.

— Não posso fazer nada — informou Alice pacientemente. — Estou crescendo.

— Não tem direito. Isso aqui não é lugar pra você crescer — protestou o Leirão.

— Não diga asneiras — disse Alice com mais ousadia. — Você sabe que está crescendo também.

— Sim, mas cresço dentro de um ritmo razoável — disse o Leirão — e não dessa maneira ridícula.

Há tempos não doía tanto. Um final de semana em, sei lá, três anos?

Dois anos

Certas coisas que eu gostaria te der escrito nos últimos dias soariam como declarações de amor. Estou lendo Virginia Woolf há dois anos. Minha maturidade emocional tende a zero. Parece que faltam conjunções pro Jornalismo. Preposições também. Eu cantava aquela musiquinha a de ante para contra por sob após perante entre com desde em depois sobre trás até per sem e até hoje não sei direito o que é o que. O mesmo com o alfabeto. Se, por exemplo, preciso lembrar se o “h” vem antes ou depois do “j”, não tenho outra opção senão sussurrar “e efe gê agá i jota… isso”. Não sei se é amor, não sei se é paixão, às vezes beira mais o ódio e o asco. Tem dois anos que não saio da mesma página 30. É uma mistura de dor e de asco, mas de saudade e quase sempre amor. Sinto que, se eu terminar de ler Mrs. Dalloway, o pouco que sobrou vai sumir com todo resto que já foi. “Passava como uma navalha através de tudo; e ao mesmo tempo ficava de fora, olhando. Tinha a perpétua sensação, enquanto olhava os carros, de estar fora, longe e sozinha no meio do mar; sempre sentia que era muito, muito perigoso viver, por um só dia que fosse”, ela escreveu. Em alguns dias, sou declaração de amor.

Pra quem tem coragem, tem em inglês.

Benditos

Perguntais-me como me tornei louco. Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.

E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua.

Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras. E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”

Assim me tornei louco.

E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.

Gibran Khalil Gibran

Conversinhas

eu: posso ser sincera? eu chorei um pouquinho com esse texto da tati bernardi no seu blog
porque sou canceriana e chorona
Natália: ôôô, geente
tão fofinha
eu: hahahaha
Natália: é lindo, né?
eu: é ^^
Natália: caiu uma lágrima francesa quando eu recebi
Enviado às 17:56 de quarta-feira
eu: a minha tava mais pra mexicana
eu posso linkar no meu blog? vc fica triste ou vai achar que tenho inveja?
não é inveja não, é que gostei mesmo
Natália: ooooxe, marília de deus
claro que pode linkar o que tu quiser dos meus blogs

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O Amor

Semana passada liguei pro meu melhor amigo e convidei para um cinema. A gente não se falava desde o ano novo, quando tudo deu errado pro nosso lado. De tempos em tempos sumimos, falamos umas coisas horríveis de quem se conhece demais. Ele topou desde que fosse daqui pra frente, preguiça de conversar da briga e tal. E fomos. Cheguei antes, comprei. Ele chegou depois, comprou água. Porque eu comprei os ingressos, ele comprou também uns doces e disse que pagaria o estacionamento. Porque ele pagaria o estacionamento, eu disse que daria a carona da volta. E com meu coração tão calmo eu voltei a sentir o soninho de sofá de casa com manta que sinto ao lado dele. A gente não se beija nem nada, mas quando vai ver pegou na mão um do outro de tanto que se gosta e se cuida e se sabe. Já tivemos nossos tempos de transar e passar nervoso e aquela coisa toda de quem ama prematuramente. Mas evoluímos para esse amor que nem sei explicar. Ele me conta das meninas, eu conto dos caras. Eu acho engraçado quando ele fala “ah, enjoei, ela era meio sem assunto” e olha pra mim com saudade. Ele também ri quando eu digo “ah, ele não entendeu nada” e olho pra ele sabendo que ele também não entende, mas pelo menos não vai embora. Ou vai mas sempre volta. Não temos ciúmes e nem posse porque somos pra sempre. Ainda que ele case, more na Bósnia, são quase quinze anos. Somos pra sempre. Ele conta do filme que tá fazendo, eu do livro. Os mesmos há mil anos. Contar é sem pressa de acabar. Se ele me corta é como se a frase que eu fosse falar fosse mesmo dele. É um exibicionismo orgânico, como se meu silêncio pudesse continuar me vendendo como uma boa pessoa. São quinze anos. É isso. Ele me viu de cabelo amarelo enrolado. Eu lembro dele gordinho e mais baixo. Ele sempre comprou meus testes de gravidez, mesmo a suspeita nunca sendo nossa. Eu já fui bem bonita numa festa só porque ele queria me fazer de namorada peituda pra provocar a ex-mulher. Minha maior tristeza é que todo novo amor que eu arrumo vem sempre com algum velho amor tão longo e bonito. E eu sofro porque com pouco tempo não consigo ser melhor que o muito tempo. E de sofrer assim e enlouquecer assim, nunca dou tempo de ser muito para esses amores porque estrago antes. Mas meu melhor amigo é meu único amor. O único que consegui. Porque ele sempre volta. E meu coração fica calmo. E ele vai comigo na pizzaria e todos meus amigos novos morrem de rir porque ele é naturalmente engraçado e gente boa e sabe todos os assuntos do mundo. E todo mundo adora meu melhor amigo. E eu amo ele. E sempre acabamos suspirando aliviados “alguém é bobo como eu, alguém tem esse humor” e mais uma vez rimos da piada que inventamos, do pai que chega pro filho e fala: “sua mãe não é sua mãe, eu transei com outra”. E esse é meu presente dessa fase tão terrível de gente indo embora. Quem tem que ficar, fica.

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É fofo, vai.

Quem disse que não

Minha mãe sempre me diz que eu não deveria emendar trabalho com faculdade com balada com bar com casa da tia, que vou cansar, que isso faz mal, que deveria ficar um pouco em casa pra esfriar um pouco. É sabido que mãe quase sempre sabe das coisas. Mas eu não gosto que me digam o que tenho que fazer, porque só euzinha mesmo pra saber até onde consigo ir. Os meus limites são só meus.

* * *

Na madrugada de domingo, voltando da sinuca com os amigos, ao chegar em casa botei uma música pra ouvir durante o banho pré-sono. “It ain’t me babe”, do Bob Dylan. “I’m not the one you want, babe, I’m not the one you need”. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Saí do banho e ouvi a música mais cinco vezes. Os meus quereres são só meus.

* * *

Cinco vezes porque, quem sabe, eu acredito na mentira. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Eu não sou quem você quer, garota, eu não sou quem você precisa. Deslavada.

* * *

“Não quero ter razão, quero ser feliz.” Lembrei. É do Ferreira Gullar.

* * *

É essa daqui.

Mais um dia feliz

Ganhei um bombom de chocolate meio amargo que veio da Itália. Quando desembrulhei o papel laminado, surpresa!, uma figurinha linda veio com o chocolatinho. A mensagem, em 5 línguas, também era fofa: “O amor sabe esperar lá onde a razão desespera”.

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Descobri uma música da Maria Rita tão bonita. É calma de dar sono, mas é bonita. “Calma/ Dê o tempo ao tempo, calma/ alma/ Põe cada coisa em seu lugar// E o dia virá, algum dia virá/ Sem aviso/ então…”. Que voz.

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Um também canceriano com ascendente em peixes me indicou um conto do Caio Fernando Abreu pra ler. E eu, que sempre tive um certo preconceitozinho em relação ao escritor, li. Bonito o texto.

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Comecei a ler um livro da Clarice Lispector. É uma coletânea de textos que ela escreveu em diversas fases da vida: jornalista, menina-moça, estudante de Direito. Aaaaaaiai. Sou suspeita em falar dessa mulher. Como ela diz em uma das entrevistas do livro, “É isso sim. Fico olhando, bobando…”.

* * *

Tudo que preciso pra um dia feliz são as palavras certas.

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L’amore sa sperare quando la ragione già dispera

Love can hope where reason would despair

El amor tiene esperanza allí donde tu razón desespera

L’amour peut espérer là où la raison désespère

Tudo

Quem assistia ao Castelo Rá Tim Bum se lembra do Gato Pintado. Morador da biblioteca, a cada visita da Biba, do Pedro, do Nino e do Zequinha ele tinha uma poesia pra apresentar. Foi assim que eu, aos 7 anos, conheci Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Paulo Leminski. Mas um dos poemas que eu mais gostava era “Tudo”, do Arnaldo Antunes:

Todas as coisas
do mundo não
cabem numa
idéia. Mas tu-
do cabe numa
palavra, nesta
palavra tudo.

Conforme as crianças iam lendo os versos, uma animação mostrava um menino que desenhava diversas coisas em uma folha branquinha: era pé, era carro, era cachorro, era Sol. A coisa mais fofa. O Sol do Castelo Rá Tim Bum permanece até hoje no meu imaginário. Tanto que, quando eu penso em Sol, penso em um igualzinho àquele: traços infantis, desenhado com lápis de cor e super pueril.

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É um desses que, sob a legenda o sol voltou, ilustra o mês de março de 2010 da minha agenda.

Furtivamente

Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade.

C. Lispector, no conto Felicidade Clandestina


Acordei sem querer pensar muito, com medo de esgotar toda essa alegriazinha tímida.